Perdi meu Gil

Hoje eu perdi uma das pessoas que mais amei na minha vida.

Eu era apaixonada pelo Gil, aquele primo mais velho, que, na infância e adolescência, você quer imitar.

Foi tanto amor, recíproco, ele sempre esteve lá quando eu festejei e quando precisei.

Nas brincadeiras, na valsa de 15 anos, na morte do meu pai, na morte da minha filha, nas minhas crises existenciais, nas minhas comemorações.

Perdi meu pai com 10 anos. Quando revisitei a casa onde morávamos, algumas árvores haviam sido cortadas, parte de mim perdeu seus galhos, ele estava ao lado para dar o conforto de um abraço amigo e o passeio no seu jipe amarelo, por Pelotas, para desanuviar.

Assisti meu primeiro Scorsese, Alice Não Mora Mais Aqui, anos depois pensava como aquele jovem adulto nos dava seu tempo de juventude para os primos moleques.

Com Gil conheci Virgínia Wolf. Ele era escritor e eu também gostava de desenhar letras, mostrei para ele meus primeiros versos, nos nossos intermináveis cafés no porão. Também me apresentou a Tomie Ohtake.

Com ele vivi aventuras, mesmo não estando nelas. O passeio de moto pela América do Sul, quando, de repente, o céu dia se fez noite, num eclipse de final de mundo. Quando morou em Salvador e se tornou confeiteiro para sobreviver e repetia as receitas da nossa avó, por quem éramos apaixonados.

Quando voltou para Pelotas, ídolo dos mais novos, com sua jaqueta de couro preta, óculos a lá John Lennon, cabelos desgrenhados, todos corremos, imenso corredor afora, para dar um abraço de puro amor e saudade.

Não nos víamos há anos, cidades muito distantes, o carinho era o mesmo.

Não sabia que ele estava doente, passei esses dias pensando nele, muito mesmo.

Em determinado momento me ocorreu, será que ele sabia que eu estava de cabeça branca? Desses  momentos em que dialogamos conosco.

Nesta semana ele esteve comigo e eu com ele, mesmo sem saber que era uma despedida.

Perdi parte de mim, perdi meu Gil.

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