
Quando cruzamos nossos olhares, tu ainda ajoelhado, acabaras de escrever o poema, eu finalizando as máscaras com as quais iríamos encenar, já sabíamos, que, de alguma forma, havíamos estabelecido um encontro. Senti assim. Foi de fato a primeira vez que nos vimos, apesar dos três dias já passados na oficina.
Nos contemplamos assim o dia todo, os olhos rapidamente se fitavam, surgia um sorriso breve e voltávamos às atividades.
O dia durou 48 horas, como demorou, a confraternização nunca chegava, ali estaríamos livres.
A noite, trocando conversa com colegas, senti tua mão nas minhas costas até encontrar a minha, ficamos assim de mãos dadas, sem que ninguém percebesse. Criastes uma forma de discrição nova, a tua mão direita pegava a minha esquerda pelo dorso.
Numa troca rápida de palavras, a sós no meio de todos, te falei do meu nervosismo, a resposta que ouvi foi sensível, homens também são assim, voltam a ser adolescentes, só não demonstram nem confessam que estão nervosos. Voei nessas palavras…
Não tivemos a oportunidade de nos conhecer por palavras, a atração mútua nos calava tal a intensidade.
Entendi que eras livre como eu e me atirei…
A tua barba roçava na minha pele enquanto éramos iluminados pelo luar.
Dia seguinte iríamos partir, tu regressarias para a chapada. Eu não sabia se era um encontro intenso de um único dia.
A troca havia sido intensa, não sei qual disputa era maior, pele ou palavras. Nos veríamos em algum futuro, quando ou onde não sabia.
Não tive reservas contigo, me destes essa oportunidade e foi tão bom, tão especial, para alguns apenas cama, para mim um momento em que a lua surgiu na janela e me abençoou, porque eu estava contigo, um homem singular.
Tocamos nossas vidas e uma pergunta latejava, quem somos nós?
Ficou o teu dizer: querida a sua imagem é tão leve que voa.
Quando te encontrei novamente estava longe de casa, ias me buscar no aeroporto. Não estavas lá, apenas uma amiga comum me dizia que eu iria entender tudo. Mergulhei numa desordem interior, tu não estavas só, acho que consegui dissimular meu caos.
Fui simpática, mostrei uma falsa alegria e cordialidade. Minha expectativa de um reencontro acabara de naufragar.
Foquei no trabalho que fui organizar, contigo. Parte de mim pedia a amorosa contemplação de antes, a outra adentrava na frustração. Então havia uma família constituída, encoberta na troca de nossas mútuas mensagens.
Como realmente sempre fui, segui independente durante minha estada. Te perturbei com a minha liberdade, não podias transgredir. Minha resposta ao desencanto. Nada fiz, apenas circulava com desenvoltura e o escondido orgulho ferido.
Te percebi confuso e atônito, sem domínio do teu território, que agora era meu.
Apresentada por ti ao teu melhor amigo, alucinastes, quando o vistes inebriado com a minha fala, perdestes finalmente o controle, a tua mão no braço dele, olho no olho te perdestes, confessastes: essa mulher é minha. Tentativa de limitar qualquer prosseguimento dele, que sequer era correspondido, mas me assegurei da conquista final do teu terreno.
O calor infernal da cidade ajudou o meu desfile livre, leve e solta nas minhas vestes etereas. Te provoquei até a despedida, de vermelho, recém banhada, iria ao último evento e depois para o aeroporto. Me falastes que eu era a imagem saída de um filme, a dama de vermelho, um dos poucos momentos em que nos falamos. Eu mesma achava que a similaridade era com Lanternas Vermelhas, bem mais melancólico.
Me senti vingada, afinal, me transformei no teu estorvo, mas também sangrei.
O que eu faria agora com o meu arrebatamento? Onde guardaria meus sentimentos? Minha mente girava em pensamentos vãos.
E agora voltas ao meu territorio. Me sinto confusa, dividida entre paixão e dissabor.
Tu chegas amanhã e, como te falei no primeiro encontro, houve um despertar de boas coisas em minha vida com teu olhar. Teus olhos e visão especiais, sensíveis e cativantes, mas também aflitos, nervosos e carentes me desconcertaram.
Depois veio a frustração. Na minha ignorância me senti uma transgressora.
E agora tu estás chegando, com tua fala mansa, voz rouca, quase sussurro e eu aqui com uma vontade louca de voltar à nossa primeira noite.
Em mim há uma segregação entre corpo e mente, mas ainda quero reassumir a ti no meu controle, no meu pertencer.
Se deixares, vou te envolver em meus braços, te carinhar, e balançar até que durmas, ah, e como precisas dormir, vejo isso, podes dormir, vou te acalentar, cantarei baixinho, velarei teu sono, e sabes? Podes te entregar por inteiro, sem reservas. Aqui, neste momento, mora teu reino de paz, podes gemer, chorar tuas mazelas, te darei colo, não me perguntes o porquê, sinto apenas que agora tu precisas.
Também te darei conforto, te sentirás abrigado. Já tivesses essa sensação única da minha entrega. Te darei de novo!
Me pergunto, o que eu quero disso e me respondo: o instante que tiver, mergulhando rápido, profundo, nessa montanha russa que és tu.
Não, por favor, não te assustes, não te quero só para mim. Tenho a minha liberdade, sou diferente, quero hoje ser amada, depois uma amiga com quem tu poderás contar, te abrir, temos uma construção de vida parecida, somos rebelde, por isso te entendo e estarei aqui, se precisares!
Te digo ainda: sim quero a tua cama, como me senti bem nela, seduzida, confortável, bem amada, mas não fiques assim vaidoso, sei que posso corresponder a altura.
E quando tu te fores, restará uma bela lembrança, uma fusão maior que corpos, a união de duas pessoas que um dia se encontraram, confluíram.
Então te digo: te espero, podes vir e voltar em paz!
E aí tu viestes assim, carinhoso e carente e revivemos o dantes.
Passamos a noite juntos, ficastes comigo 24 horas.
O tempo foi curto, porém intenso, dia seguinte, ficamos lá em casa abraçados até a hora do aeroporto.
Tu me falastes que te detivestes me cuidando enquanto eu tabalhava. Ficastes encantado e como me achastes inteligente, percebestes que eu pegava as coisas no ar, que outros falavam e eu já articulava o próximo passo, que eu daria uma ótima produtora, elegante, sensível, encantadora.
Pedistes que eu te ligasse, respondi que não faria isso, que a minha viagem a chapada tinha sido muito louca, mas que foi bom porque consegui perceber como eras no teu território.
Foi uma situação das mais difíceis pela qual já passei. Meio se desculpando me dissestes que estavas atordoado. Quando cheguei te encontrei confuso, havias retomado a relação com a tua mulher, mas quando eu assumi a situação, sem dar nada na cara, fostes te tranquilizando, até ficar novamente fascinado com a minha desenvoltura.
Ouvir isso foi muito bom, muito intenso e sem saber do futuro … Então me dissestes: volto daqui a 20 dias.
Não aconteceu.
O que eu posso te dizer?
Que temos ciclos, que é necessário morrer para renascer, que pode ser um inferno astral, mas vai passar.
Enquanto tudo está difícil, apenas gostaria de ter um mágica especial, para que num passar de mãos tudo simplesmente sumir, problemas, dores confusões, mas não sou mágica, então só pude te oferecer minha amizade.
Sim, amizade, sei os territórios que me pertencem, dou apoio e ombro amigo, nada mais.
Estou viajando, só consigo lembrar de cotovia de Manuel Bandeira, os últimos versos, realmente gostaria de poder torcer o destino e no espaço de um segundo limpar o pesar mais fundo.
Vamos nos cuidar, não olhar o abismo, ele é uma ilusão passageira.
Como é difícil a insustentável leveza do ser. Tu abalastes o meu mundo. Me joguei com toda a minha segurança. Agora me olho no espelho e me digo: preserve-se!
E me retomo, aqui eu determino quando começa e quando acaba.
Conto de Adrianafetter