Camélia branca

Minha madrinha, Dinda, foi uma das pessoas que mais me amou, sempre senti assim. Era irmã do meu pai.

A última vez que nos vimos ela estava ao lado de uma camélia branca (amo camélia, de qualquer cor), me chamou de queridinha, como sempre, me disse que me amava muito. Depois, segurando o meu rosto em suas mãos, me deu um carinhoso beijo de despedida.

Foi a última vez que nos vimos, ela faleceu dormindo em sua cama, um mês depois.

Era uma mulher elegante, sempre impecavelmente arrumada. Tenho dela lembranças de afeto e de carinho.

Usava várias pulseiras e anéis, a maior parte herdadas de minha avó. Criança pequena eu era fascinada por tudo.

Sentada em seu colo, ela ia tirando uma a uma das pulseiras, para que eu olhasse e brincasse com elas. A de trança, de filigrana, argola…

Morava em outra cidade, mas vinha uma vez por mês. Almoçava lá em casa, as quartas-feiras, quando estava em Pelotas, para mim uma festa.

Lembro de uma vez, ela me deu a bolsa para remexer, feliz vi um caderninho de capa vermelha e uma caneta, desenhei uma casinha para ela, na sua carteira de identidade, do lado em branco.

Até os meus 6 anos de idade ela tricotou todos os meus vestidos de aniversário. Lindos!

Morou na Itália. Recebia dela cartas em papel de seda, caligrafia desenhada, com caneta tinteiro. Tudo muito elegante, como ela.

Descrevia os lugares, com tanta perfeição e riqueza de detalhes, que me proporcionou estar com ela neles. As fontes esculpidas em mármore, o fantástico sabor do chocolate quente, as praças e cafés.

Sempre me mostrou em cada gesto, ou atitude, o seu amor por mim. As pessoas que nos amam, definitivamente, deixam em nós a marca do amor verdadeiro. Elas nos ensinam a amar.

A extensão do seu corpo

O Brasil perdeu hoje um titan da música, Nelson Freire se foi.

Em uma entrevista, o maestro Isaac karabtchevsky falou que o piano, para Nelson, era a extensão do seu corpo.

Uma das suas maiores dificuldades, nos últimos tempos, foi ter que se afastar do piano, sofreu uma queda e uma torção da mão, o que limitou a sua música, severamente.

Não foi um limite apenas físico,  o deixou  emocionalmente abalado.

Me trouxe à memória a situação de minha avó, quando foi proibida de cozinhar. Para ela também o fogão à lenha era a extensão do seu corpo. Cozinhar era viver, era vida, amor.

Não deixou apenas de cozinhar, foi se afastando da vida, daquilo que lhe fazia vibrar, do que a inspirava.

Eu acompanhei esse processo com tristeza, minha avó foi a mulher que mais influenciou a minha vida.

Forte, decidida, usava o cozinhar como forma de transmitir o seu amor aos outros, e o colocava em cada comida que fazia, e foram muitas, incontáveis

Decorava seus bolos com suas rendas de confeiteira. Recheou os nossos sentimentos vida afora com doçura, amor e dedicação.

Não usava afagos, usava colheres de pau, gamelas, panelas e o seu fogão a lenha.

A cozinha era a extensão do seu corpo e o fogão o seu instrumento.

Minha avó Olga, sem conhecer a rica teoria de propósito, sempre me fez entender o quanto é importante, na vida, se fazer o que se ama, aquilo que faz nossa chama interior arder e nos impulsiona, como um trem a vapor, vida afora.

Deixo aqui a minha divagação sobre vida, amor e propósito, o que na sua vida é a extensão do seu corpo?!