As vezes mergulhar em si mesmo é cair no abismo.
Invadir aquela bagunça que temos preguiça e dor ao enfrentar.
Ir ao profundo onde o oxigênio fica rarefeito e a dor adentra o peito.
Encarar a realidade de que foi esquecida ou é ignorada por alguns que amou.
Que um instante de si parou no tempo e lá permaneceu intocado.
Sente falta de quem se foi. Parte de envelhecer significa a saudade da alegria inconsequente da própria juventude.
Remexe feridas, que são consoladas com os cacos de momentos de rara felicidade vividas.
Recupera o fôlego. Emerge.
Reverte mágoas em experiências, o aprendizado feito pelo caminho.
A volta por vezes revolta. É o reparto doloroso da abertura dos pulmões quando entra o ar.
O tempo parado naquele espaço e momento passado machuca.
O vento sopra gelado no rosto, bate agudo, levanta a gola para seguir pela rua, onde deixou parte da infância.
Pequenos fragmentos de lembranças consolam dores antigas, como o cheiro da lenha queimando, exalados pelas chaminés.
Os nós de pinho sempre exalam a inocência da infância.
Voltar nunca foi fácil, não sabe se um dia será.
O tempo transcorreu e algumas batalhas simplesmente congelaram, sem terminar.
A vida continuou e, por muitos anos, o passado ficou dormente.
Agora, já vívido meio século, a alma transborda, como um rio desenfreado em meio à tempestade.
Atropela, incontrolavelmente, os sentimentos semi enterrados em areia fofa, lhes expondo.
As feridas não curadas, ardidas e, um dia anestesiadas, reabrem.
Ao girar 360 graus, acompanha a decadência mental de quem ainda faz parte sua vida, sem realmente estar presente, impotente.
É o custo de ser responsável pelo seu passado e o dos outros.
Deixou restos de si pelo trajeto, reconstruiu outros pedaços, argamassa que preenche os buracos da obra da vida.
Agora é assombrada pelas recordações, que não consegue administrar.
Tem coragem, tem medo. Há uma fortaleza aparentemente quase intransponível.
Se sente como um ovo, aquela casca dura, que, ao primeiro impacto, derrama toda a sua essência.
A edificação do ser seu foi imperfeito e também exitoso. Espalhou varios sucessos, no pretenso roteiro planejado sobreviveu.
Consciente que ainda resta um tempo a ser administrado. Existe uma presente interrogação em como atravessar o futuro período.
A pergunta vai continuar ali, sem resposta, ninguém realmente entra na tenda de desejos e consegue predizer o porvir.
Conduzir a sua desordem e a que assombra à qualquer criatura é o que tenta fazer, na sobrevivência de cada dia.
Não há retorno. Assim se forja a vida, num martelar o corpo, como ao ferro, dando forma ao imperfeito e ao desgaste, que aparenta retocado, reerguido.
Conto de Adrianafetter