Um não talvez

Talvez eu vá ao parque caminhar hoje. 
Talvez as palavras me visitem e eu escreva. 
Auxiliadora me chamou pro cinema – talvez eu aceite. 

Talvez eu viaje para o interior de Minas, 
engolir montanhas com os olhos, 
sentir o cheiro de terra e café coado… 
(sempre quis). 

Talvez eu pule de paraquedas – 
aquele sonho antigo de cair para o céu. 
Talvez comece natação segunda. 
Talvez experimente aquele doce de geleia de araçá. 

Talvez assista à série famosa 
quando sobrar um buraco no tempo. 
Talvez aquele homem lindo me veja 
através da névoa dos seus fones. 

Ou talvez não. 
Talvez fique em casa. 
Talvez chova. 

E assim, de talvez em talvez, 
a vida escorre entre os dedos 
como areia. 

Talvez você nunca faça 
o que te incendeia por dentro. 
Talvez vire espectadora 
da própria existência. 

Mas eis o segredo: 

Talvez não é verbo. 

Faça-se vida!

A Poesia

Poesia é tua casa móvel:

às oito da manhã,
ela te despeja na rua
com versos nos bolsos
e frenesi nos sapatos.

“Vai!”, ela ordena.
“Tráfega em fúria, incendeia a rua com teu verbo.”

Tu obedeces.
Furas o caos,
colecionas alienações,
roubas enlevos.

Mas ao meio-dia,
quando o sol aperta,
ela te sussurra:
“Volta. Traz o que achaste. Vamos costurar contexturas.”

E tu voltas.
Sempre.
Porque poesia —
essa tua amante feroz —
é o único portão
que nunca se fecha.

Poesia de AdrianaFetter