Verbete vivo

Minha saudade bruta:  não chora — brande em mim. 

Alma minha é campo de batalha.


No ringue das perdas, 

Não luto com luvas. 

Luto com palavras-despidas, 

Facas de dois gumes 

Que cortam o tempo 

E sangram pela eternidade.

 

O verbo salva. 

É milagre ambulante 

Cada verso é ato de resistência

Contra o silêncio que o mundo impõe.

Poesia de AdrianaFetter

Vermelho-sangue

Avião cortando um céu de cinzas.

Sob as asas, o cerrado em chamas.

No meio da fumaça, o sol

Não um astro, bola incendiária vermelho-sangue,

Furando o caos como um farol do fim do mundo.

In Memorian de Valmir de Souza e Silva e Manoel José de Souza Neto, brigadistas do IBGE, que morreram ontem, 29/7/2025, combatendo o fogo no cerrado.

Um não talvez

Talvez eu vá ao parque caminhar hoje. 
Talvez as palavras me visitem e eu escreva. 
Auxiliadora me chamou pro cinema – talvez eu aceite. 

Talvez eu viaje para o interior de Minas, 
engolir montanhas com os olhos, 
sentir o cheiro de terra e café coado… 
(sempre quis). 

Talvez eu pule de paraquedas – 
aquele sonho antigo de cair para o céu. 
Talvez comece natação segunda. 
Talvez experimente aquele doce de geleia de araçá. 

Talvez assista à série famosa 
quando sobrar um buraco no tempo. 
Talvez aquele homem lindo me veja 
através da névoa dos seus fones. 

Ou talvez não. 
Talvez fique em casa. 
Talvez chova. 

E assim, de talvez em talvez, 
a vida escorre entre os dedos 
como areia. 

Talvez você nunca faça 
o que te incendeia por dentro. 
Talvez vire espectadora 
da própria existência. 

Mas eis o segredo: 

Talvez não é verbo. 

Faça-se vida!

A Poesia

Poesia é tua casa móvel:

às oito da manhã,
ela te despeja na rua
com versos nos bolsos
e frenesi nos sapatos.

“Vai!”, ela ordena.
“Tráfega em fúria, incendeia a rua com teu verbo.”

Tu obedeces.
Furas o caos,
colecionas alienações,
roubas enlevos.

Mas ao meio-dia,
quando o sol aperta,
ela te sussurra:
“Volta. Traz o que achaste. Vamos costurar contexturas.”

E tu voltas.
Sempre.
Porque poesia —
essa tua amante feroz —
é o único portão
que nunca se fecha.

Poesia de AdrianaFetter

Jardineira

O meu paraíso pessoal está guardado

Com as chaves do meu portão vermelho

Que escancaro

Pois, memória não é passado

É semente plantada

Para florescer

Onde respiro a beleza e a dor

Flores nascidas no mesmo canteiro

De areia úmida

Onde eu, jardineira involuntária

Rego ambas com lágrimas

E as colho com o infinito.

Poesia de AdrianaFetter

Caramanchão de flores vermelhas



Todas as manhãs, antes mesmo do sol raiar sobre Pirenópolis, ela moía grãos ao som do farfalhar das pétalas vermelhas ao vento. Era ali, sob aquele teto vivo, que seu dia começava. 

“Café e buganvília têm a mesma alma”, dizia sua mãe. “Ambos florescem onde há raiz forte… e calor humano.”

E Graça regava ambas as raízes. Enquanto a água fervia, seus pensamentos iam para Marina, a filha distante em terras lusitanas.

Depois, para os rostos que povoaram o “Caramanchão Vermelho” por dez anos: o velho Ernesto, que lia jornal sob uma chuva de pétalas, a estudante Juliana, cujas lágrimas caíam sobre o capuccino, manchando a espuma de rosa, os namorados que se beijavam, entre galhos floridos, tanta gente… 

No curso de barista, anotou:
“Temperatura ideal: 92°C.”
Mas seu coração gravou: 
“Xícara quente + flor vermelha = cura para solidão.”

No Caramanchão, ela não servia café —  ministrava ouvidoria. 
—  “Seu espresso, S. Ernesto. E a roseira do senhor, floresceu?”
—  “Capuccino com canela, Juliana. Hoje a nota vem!”
As buganvílias testemunhavam segredos sussurrados, entre o tilintar de xícaras. 

Até que a pandemia veio. 
E o mundo parou. 

Na primeira manhã de portas fechadas, Graça preparou um café só para si. 
Sentou, olhou para cima: as buganvílias, ainda vermelhas, agora sem plateia. 
Foi então que percebeu: 
O vapor subia igual, mas o silêncio doía mais que saudade.
Eram as flores que choravam agora.

Fechou o café, mas não o ritual. 
Todas as manhãs, moía grãos para a xícara azul-cobalto. 
E, enquanto vaporizava o leite, fotografava a espuma branca contra o pano de fundo das buganvílias pela janela. 

Enviava para Marina: 
“Pensando em ti — sob véu vermelho.”

A resposta vinha rápido: 
“As flores da vovó ainda resistem! Saudades do teu café, mãe.”

Foi numa dessas madrugadas, com o cheiro doce das flores noturnas invadindo a cozinha, que a palavra a atingiu: 
ACOLHER.

Parou. Olhou para o caramanchão iluminado pela lua — as flores vermelhas agora pareciam braços abertos. 
Lembrou: 
— Da estudante Juliana, que voltara com o diploma amarrado por uma fita vermelha; 
— Do velho Ernesto, enterrado com uma flor de buganvília no paletó; 
— Do cheiro da infância de Marina, sempre a brincar naquela chão de pétalas e teto florido. 

Todas as vezes, não fora só a dona de um café. Fora jardineira de almas. 

Anos depois, Marina voltou. 
Encontrou Graça no alvorecer, colhendo buganvílias com uma mão e o café na outra. 

—  “Precisa de ajuda, mãe?”
Graça sorriu, estendendo-lhe um ramo vermelho: 
—  “Só se me disseres como Lisboa cheira pela manhã.”

Sentaram-se onde antes havia mesas, agora só grama e flores. 
Graça lhe serviu a xícara azul-cobalto. 
Marina ergueu o celular: 
‘Click.’ 

— “Pra quem é?” perguntou Graça. 
— “Pra minha filha. Amanhã. Com a legenda: ‘Vovó Graça diz que café e buganvília têm a mesma alma’.” 

Foi quando Graça entendeu: 
O caramanchão físico poderia até morrer. 
Mas o verdadeiro caramanchão 
era ela mesma — tronco firme, flores vermelhas abertas, sempre pronta a dar sombra e beleza a quem precise de um lar passageiro.

Conto de AdrianaFetter

Envolver

Que vontade de te ver
Cair nos teus braços
Aplacar minha vontade na tua
Esperando nossa sede se esgotar
Relembrar cada hora …
Novamente
Ver, ouvir, cheirar, sentir
Falar, calar, acariciar…
Tantos são os verbos a fazer
Explosão química, física…
Do envolvimento de nossos corpos
Matar minha saudade em ti
Acolher teu corpo em mim
Que vontade de te ter!

Poesia AdrianaFetter

Transigi

você, sempre você …
mas não se preocupe
sei quais territórios
não me pertencem,
sei a hora e o lugar,
talvez não saiba o como,
ou o quando,
porque o gosto de quero mais
sempre tenho,
mas devaneios são possíveis!
por alguns segundos
as pernas bambeiam
dá uma louca vontade:
apertar tua lembrança
internada em mim,
atrevida, irreverente,
fugaz,
tanto faz…
só não quero deslembrar
que por você, sempre você …
transigi!

Poesia AdrianaFetter

Acabou

Acabou!

E foi bom que tenha acabado

Duas almas livres

Que haviam se acorrentado

Finalmente estão libertas

Acabou!

E seguimos nossos caminhos

Com respeito a nossa individualidade

Com a carinhosa lembrança de nossa convivência

Com o sentimento cristalino

De nossa importância recíproca

Com a firme posição

Que podemos nos amar eternamente

Mesmo separados em nossos caminhos

Que somos melhor assim!

Poesia AdrianaFetter