Promessa



Às vezes volto a ser criança sem aviso. Um cheiro de terra molhada depois da chuva — tão raro em Brasília na seca  — e estou de volta ao quintal da infância. Vejo meus pés pequenos sobre a terra fofa, colhendo morangos vermelhos que manchavam os dedos de doce. Meu pai partia romãs, encontradas no mato, com as mãos, e nós comíamos de colher, semente por semente, como se cada uma contivesse um segredo.

Essa criança ainda vive em mim. Ela carrega não só a alegria dos sabores, mas também as dores, que eu pensava ter deixado para trás. Ao reconstruir minha trajetória até Brasília, entendi que não se trata de escolher entre preservar apenas o alegre ou apagar o triste — mas de abraçar a criança interior completa que fui, com suas romãs, seus morangos e suas feridas.

Cada curva no caminho para Brasília foi temperada por esses sabores antigos. A mesma mão que colhia pêssegos no pomar de casa, agora digita em teclados modernos — mas a amêndoa dentro do caroço ainda sabe a promessa.

Brasília não apagou meus sabores — apenas lhes deu novo palco. Aqui, no cerrado, minha criança interior finalmente compreende: a vida não é sobre apagar o passado, mas sobre enxertar memórias em novos troncos.