Porque eu sou feminista

#DiaInternacionaldaMulher #DiadaMulher #8M #DiadasMulheres

Sou feminista porque nasci privilegiada, branca, com acesso à educação, à saúde, tive, num mundo de cultura patriarcal, onde a mulher vale menos e tive o privilégio de conviver com homens de mente aberta.

Pude pensar e me expressar.

Porque minhas netas e todas as mulheres de sua geração merecem ter direitos iguais aos homens, como todas as suas predecessoras deveriam ter tido.

Nasci numa época que muitas vanguardistas já haviam conquistado muitos direitos para mim, mas isso não me impede de ver o quanto há ainda para conquistar.

Mulheres negras em sua maioria ganham menos que eu, e ainda ganhamos menos que os homens ocupando a mesma função.

Sofremos violência diariamente, o Brasil é o 5º país no ranking de assassinatos de mulheres (13 por dia), a metade delas por violência doméstica.

Porque os homens se julgam no direito de matar ou mutilar suas companheiras, porque pais estupram filhas, porque merecemos ter companheiros ao nosso lado e não inimigos.

Porque as meninas não deveriam ser sexualmente mutiladas, porque todas deveriam poder ir a escola sem medo, ou não ter que abandonar os estudos para cuidar da casa.

Porque a dupla jornada poderia ser dividida, porque os direitos deveriam ser iguais e as diferenças respeitadas.

Criei filhos com direitos iguais, sinto orgulho ao vê-los replicar isso em suas vidas.

Sou feminista porque amo as pessoas independente do seu gênero.

Adriana Fetter

#8demarço

#DiaInternacionaldeLutadasMulheres

A história é fundamental para nos dizer de onde viemos e para onde estamos indo.

Nós mulheres temos que lembrar a trajetória de todas as que vieram antes de nós, conquistando os nossos direitos.

Fiz uma breve cronologia das lutas feministas, no Brasil e no mundo:


Em 1790, Catharine Macaulay argumentou, assertivamente, que a aparente fraqueza das mulheres era causada pela sua educação precária;

Durante a Revolução Francesa surge o primeiro documento a falar sobre a igualdade jurídica entre mulheres e homens – A Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã – 1791 escrito por Marie Gouze (1748-1793), ela adotava o nome de Olympe de Gouges;

Em 1827 as meninas brasileiras são liberadas para frequentar escolas;

Nísia Floresta, em 1832, publica o seu livro “Direitos das mulheres e injustiças dos homens”;

As mulheres tem acesso ao Ensino Superior, pelo Decreto nº 7.247, de 19 de Abril de 1879, no Brasil;

As mulheres da Nova Zelândia são as primeiras a ter direito de voto, em 1893;

Em 1910 é criado o Partido Republicano Feminino no Brasil, que reivindicava o voto feminino;

No ano de 1928, Alzira Soriano foi a primeira mulher eleita no Brasil, para prefeita de Lajes, no Rio Grande do Norte, pelo voto livre, com 60% dos votos;

Em 1934, as mulheres brasileiras conquistaram constitucionalmente o direito de votar. Carlota Pereira Queirós se tornou primeira deputada federal do país. No ano de 1932, solteiras e viúvas com renda própria e mulheres casadas com permissão do marido podiam votar;

A igualdade de direitos entre homens e mulheres é reconhecida em documento internacional, através da Carta das Nações Unidas, em 1945;

Acontece em Fortaleza/CE, o I Encontro Nacional Feminista, durante a 31ª SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em 1949;

Em 1951, a Conferência do Conselho Feminino da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou a igualdade de salários para homens e mulheres que desempenhem a mesma função;

A Lei 4.212/1962, garante que a mulher não precisava mais de autorização do marido para trabalhar, o direito à herança e a possibilidade de requerer a guarda dos filhos em caso de separação;

Definido pela Assembléia Geral da ONU a Década da Mulher (1975-1985);

No dia 26 de dezembro de 1977, a Lei nº 6.515, Lei do Divórcio, é aprovada;

A Assembléia Geral da ONU institui, em 1979, o Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher- CEDAW ;

Em 1984, o Ministério da Saúde, atendendo às reivindicações do movimento de mulheres, elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM);

No Ano Internacional da Mulher (1975), a data de 8 de março é definida pela ONU
como Dia Internacional da Mulher;

O Ministério da Justiça cria o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 1985;

O movimentos de mulheres (26 deputadas federais constituintes – Lobby do Batom) garante que a Constituição Federal inclua a igualdade formal de direitos entre mulheres e homens no Brasil;

A Lei Federal 9.100/95 estabeleceu 20% de candidatas mulheres nas listas partidárias para as eleições de 1996, essa cota foi ampliada para 30%, em 1997, porém só em 2009 se tornou obrigatória, sendo manipulada pelos candidatos masculinos nas eleições de 2018, em seu benefício;

É criada no governo Fernando Henrique Cardoso a Secretaria de Estados dos Direitos da Mulher (2002), elevada ao status de ministério em 2003, no governo Lula;

No ano de 2006 uma grande conquista, sancionada a Lei Maria da Penha, criando mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher e aumentando o rigor nas punições das agressões contra a mulher;

Sancionada a Lei nº 13.104, de 9 de Março de 2015 – para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, incluindo o feminicídio no rol dos crimes hediondos;

2019 – Damares Regina Alves é empossada como ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, do governo Jair Bolsonaro e nós, mulheres feministas, choramos pelo retrocesso!

Certamente, há mais datas e mais fatos relevantes, nesta linha de tempo feminista, coloquei os considerados mais relevantes.

Pesquisem sobre as maravilhosas histórias das feministas brasileiras. Mulheres fantásticas que abriram os caminhos para todas as nossas conquistas atuais.

Sempre seremos resistência!

De Ana Cañas:

“Desrespeitadas, ignoradas, assediadas, exploradas, mutiladas, destratadas, reprimidas, exploradas e mortas: a nossa luz não se apaga.
Ninguém nos cala.
Tentaram, continuam tentando, e vimos resistindo.
Resistiremos.
A alguém que só existe lutando cabe a resistência. “

O Direito Delas

Resolvemos instituir o dia primeiro de janeiro como o do Direito Delas – o da nossa forte união pelos nossos direitos, o das mulheres, o das nossas conquistas!

E agora, que instituímos esta data, queremos dizer que, nenhum, absolutamente nenhum, dos nossos direitos adquiridos nos serão retirados e vários serão conquistados.

Decretamos que somos mulheres poderosas e empoderadas e sabemos exatamente o que queremos e a que viemos e, portanto, não nos provoquem.

Porque agora, de mãos dadas, unidas e fortes vamos mostrar quem somos, o que temos, o que queremos e o que vamos conquistar. Não baixaremos a cabeça para qualquer autoritarismo.

Quando uma de nós na caminhada da vida tropeçar e perder o equilíbrio, nós estaremos lá, juntas, para lhe amparar, sustentar e colocar no prumo novamente.

Se chegar o vendaval seremos a rocha que mantém umas às outras. O alicerce que não se deixa abalar.

Somos mulheres, o feminino, a força motriz da natureza, temos umas às outras.

Que venha 2019, ninguém solta a mão de ninguém!

Feminismo – por que a palavra causa tanto frisson?!

Que palavra que gera confusão na nossa sociedade! Não vejo sequer motivos para isso.

Há uma nítida confusão entre femismo e feminismo. Sabem a diferença?! O femismo prega a superioridade das mulheres em relação aos homens. O feminismo a igualdade de direitos, de gênero e acesso às mesmas oportunidades.

Sim, feminismo é uma palavra que pressupõe lutas, não por disputa, mas para se conseguir a aceitação de que, independente de sexo, todos temos os mesmos direitos, o que atualmente não existe.

E é exatamente esta luta que parece agredir quem dela não participa, ou ainda não se sentiu representada, ou ainda, quem assimilou profundamente os conceitos da sociedade em que o homem lidera e comanda.

Existe uma vanguarda mais agressiva?! Claro que sim, em qualquer movimento que propõe conquistas sociais, mudanças no que está estabelecido há anos, sempre haverá uma vanguarda, sempre teremos as que fazem a política do movimento e o enfrentamento com aqueles que não o aceitam e certamente serão as mais agredidas também.

Em tempos tão violentos, em sociedades tão desiguais, em costumes agressivos, mutilações, perseguições impostas as mulheres, não é possível desejar viver em paz e ser tratada com respeito?! Não se pode pensar em ser considerada para as mesmas oportunidades que as masculinas?!

A igualdade de gênero, traria evolução e engrandecimento nas relações interpessoais.

Vejo termos nefastos, depreciativos, desrespeitosos para falar das mulheres que, como eu, se intitulam feministas.

Me sinto atingida por todas as ofensas dirigidas a outras mulheres.

O mais interessante é que quando penso em feminismo me vem a mente o que considero o maior homem feminista de todos os tempos, Jesus, aquele que sempre pregou contra a opressão das minorias, que pregou uma nova maneira de se viver em sociedade, e deu um tratamento respeitoso a todas as mulheres de sua época. Convivia e incluía as mulheres em suas pregações. Jesus pregou para os oprimidos.

E aqui relembro, enquanto os homens se esconderam por ocasião de sua crucificação, as mulheres choraram ao pé da cruz, pelo amor, atenção e respeito que lhes foi dedicado.

Acho que sequer preciso falar em Maria Madalena…

Então, se, há milhares de anos, esse homem entendeu a importância de se tratar todos de forma igual, com respeito e amor, por que essa busca hoje traz tanta perturbação?!

Resumo minhas palavras assim: respeito, igualdade de direitos, amor ao seu igual.

Desejo que todas as mulheres, e anseio para as minhas netas e todas as que virão, tenham um mundo mais justo, respeitoso e amoroso.

Ruínas de Preconceito

Rute pegava o metrô todos os dias. Ia cedo para o trabalho, nem sempre conseguia entrar no vagão exclusivo para as mulheres. Às vezes cheio demais, outras vezes ele já estava parado lá embaixo, na descida das escadas. Tinha que correr e entrar na primeira porta do vagão.

Via muitas colegas reclamarem do assédio nos transportes. Nunca tinha visto nada. Então, na sua cabeça, já tinha um pensamento pronto: “Deve ser a roupa ou os modos delas. Por isso venho sempre vestida como mulher de respeito, ninguém me incomoda.” Nem dava ouvidos. Afinal, a culpa era delas que não se davam ao respeito. Ela tinha sido muito bem educada. Na igreja, todos elogiavam sua seriedade.

Ouvia, vez em quando, maledicências na sua paróquia. Algumas famílias tinham se mudado, falaram que o padre não era sério. Como assim?! Até nome de santo ele tinha! Padre Antônio, era caridoso, ensaiava o coral de meninos, que tratava com muito carinho. Do pastor da igreja da Dona Cida também tinha comentários, de desvio de dinheiro e envolvimento com mulheres do Bairro. Para Rute era muita maldade dessa gente, ficar falando desses homens escolhidos para pregar a palavra de Deus.

Na segunda-feira, se atrasou. Cinco minutos, mas o metrô não espera. Correu, passou seu cartão na catraca, desceu a escada rolante pedindo licença, se lamentando: “Como fui deixar isso acontecer?! O chefe não gosta de atraso… Tá certo que ele chega bem depois, mas liga só para saber se já cheguei, diz que é para dar bom dia, é uma gentileza… e eu atrasada.”

Nem sabe como conseguiu entrar no vagão. Lotado. As portas fecharam com um estalo seco. Na sua frente, um senhor muito distinto, barbeado, impecável no terno, sorriu: “Bom dia!”. Ele também tinha vencido o atraso, parecia feliz. Ao lado, um rapaz de rabo de cavalo, roupas largas e coloridas – exótico, logo pensou. Como essas pessoas conseguem se vestir assim?! Mas o rapaz respondeu ao seu bom dia, educadamente. “Ao menos sabe dar um bom dia.”

O senhor distinto impressionava. Ele se aproximou como se fosse descer na próxima estação. Encostou nela. “Nossa, está muito cheio hoje”, pensou, tentando se acomodar. O senhor não desceu. Continuou encostado, pressionando-a contra a parede fria do vagão. Rute ficou dura. Uma paralisia estranha tomou seu corpo. Não conseguia olhar para os lados, constrangida. Sentiu o calor dele, o tecido grosso do terno contra seu braço. De repente, percebeu um movimento ao seu lado. “Deve estar pegando a carteira”, tentou racionalizar, enquanto uma pontada de desconforto subia pela espinha.

Os movimentos foram ficando ritmados, intensos. Um vai-e-vem estranho, insistente. Rute congelou. O ar faltou. Antes que pudesse reagir, o jovem esquisito se colocou entre os dois, empurrando o homem com força. “Não tem vergonha, não?! Se veste assim pra quê? Pra se esconder enquanto desrespeita uma mulher?!”

Aí ela teve coragem de olhar para baixo. Seu sapato social preto estava encharcado. Uma substância esbranquiçada, gosmenta, escorria pela fivela e manchava a meia-calça. Um cheiro ácido, adocicado, invadiu suas narinas. As lágrimas afloraram, quentes e silenciosas, escorrendo pelo rosto enquanto tremia feito vara verde.

O rapaz voltou-se para ela, a voz mais suave: “Moça, não fique assim. Eu vou te ajudar.” Chamou o guarda do metrô enquanto segurava firme a gola do terno do sujeito, que tentava se esquivar, o rosto antes distinto agora contraído em um ricto de raiva e medo.

O caminho até a delegacia foi um borrão. Rute caminhava como um autômato, guiada pelo rapaz – Tiago, soube depois –, sentindo o peso dos olhares curiosos, o sapato grudando no chão. A vergonha queimava seu rosto. O que está acontecendo? O mundo, sólido e previsível minutos antes, desmoronava. Tinha uma repórter lá, microfone em punho. “Senhora, pode nos contar o que aconteceu?” Rute abriu a boca, mas só saíram sons roucos, sílabas truncadas. Balançou a cabeça, as lágrimas renovadas.

Tiago interveio, calmo mas firme: “Essa moça entrou no metrô, estava lotado. Aquele cidadão, todo engravatado, se masturbou ao lado dela. Sujou os pés e os sapatos dela. É um sem-vergonha, sem caráter. Ela está em choque. Eu vim junto pra dar suporte.”

Rute não entendia mais nada. O senhor distinto era um depravado. O moço esquisito era uma boa alma. A cabeça girava, o chão parecia ceder. Pediu para chamar o marido. Dentro dela, uma culpa aguda latejava: O que eu fiz de errado?

José chegou como um furacão, a cara uma tempestade. Antes mesmo de olhar para ela, cuspiu as palavras: “O que foi que você fez, Rute? Não se dá ao respeito?!” Avançou para cima de Tiago, os punhos cerrados, pronto para acusar o alvo mais óbvio.

Rute encontrou uma voz que não conhecia, rouca mas cortante: “Pára, José! O moço me ajudou tempo todo!”

José estacou, confuso. “Então quem foi o desgraçado, Rute?!”

“Foi esse homem de terno”, ela murmurou, os ombros curvados sob o peso da vergonha e da desilusão.

“O de terno?!” José replicou, incrédulo, apontando para o agressor já algemado. “Não é possível! Ele é um senhor distinto! Quando chegarmos em casa vamos conversar, dona Rute!”

Tiago tentou novamente: “Senhor, ela não tem culpa nenhuma. A única coisa que ela fez foi entrar no vagão do metrô.”

José revirou os olhos, alterado: “Sai daqui, você! Não entende nada. Todo estranho, com esse rabo de cavalo… Deve ser mais um depravado da vida!”

Rute chorou então não só de medo ou vergonha do ocorrido, mas do marido. Dos anos vividos ao lado desse homem que, naquele instante, era um completo estranho. Ele sempre disse que tirou a sorte grande com uma mulher de respeito… As palavras de Tiago, como um fio de lucidez, ecoaram: “Ela não tem culpa nenhuma.”

Tiago, antes de ser empurrado para longe por José, conseguiu deslizar um papel na mão gelada de Rute: “Dona Rute, meu telefone. Se precisar do meu depoimento, estou às suas ordens.”

“Vaza, moleque!”, José rugiu. Virou-se para Rute, o desprezo escorrendo: “Nunca pensei que você fosse me humilhar desse jeito. Que vergonha, meu Deus.”

Em casa, o silêncio era um terceiro personagem, pesado e hostil. Rute só queria apagar aquele dia. Ainda tinha que enfrentar o chefe. Ligou, a voz trêmula: “Dr. Eduardo, aconteceu algo grave… Lhe explico amanhã.” Desligou antes que perguntassem mais.

José explodiu novamente na sala. Rute virou para ele. Os olhos vermelhos, mas secos agora, encontraram os dele. Uma chama fria acendeu dentro dela. “Para de gritar. Eu sou a mesma Rute. Não fiz nada demais. Não sei por que aquele homem fez isso. O Tiago foi um anjo que Deus mandou na hora.”

“Anjo?!”, José bufou. “É um fedelho qualquer, se aproveitando pra aparecer!”

Pela primeira vez, Rute viu José com clareza. E viu a si mesma refletida naquele olhar cheio de preconceito e desconfiança.

Fechou-se no banheiro. A água quente do chuveiro não lavava a sensação de sujeira, nem o cheiro fantasmal que insistia em suas narinas. Vestiu um roupão, fez um chá. Sentou-se à mesa da cozinha, a escuridão lá fora espelhando a que sentia dentro. As histórias das colegas voltaram, nítidas, dolorosas. A da Maria… Lembrou do dia em que Maria chegara ao trabalho com os olhos inchados e um rasgão na blusa. Contara, entre soluços, como um homem tentara arrastá-la para uma rua escura. Conseguira fugir. Desde então, o marido a chamava de “vadia”. O casamento desmoronou. Maria saíra de casa, enfrentando a reprovação dos pais – “Casamento é pra vida inteira!” – e encontrara apoio num grupo de mulheres. Falava de sororidade, de feminismo.

Rute achara tudo bobagem. “Coisa de mulher sem o que fazer”, pensara. Mas via a mudança em Maria, uma força que brotava dela. Rute sempre se calara, ficara na sua.

José não quis deitar na mesma cama. “Durmo no sofá”, anunciou, a voz carregada de acusação. “Coisas assim não acontecem com mulher séria”, resmungou, indo embora. A sentença pairou no ar.

Rute acordou antes do sol. Uma coragem nova, desconhecida, pulsava em suas veias. Encontrou José na cozinha, evitando seu olhar. Parou diante dele.

“José”, disse, a voz clara e estável, surpreendendo-a. “Eu sei quem eu sou. Sei o que faço e o que não faço. Você casou com a mesma mulher que está aqui na sua frente. A mulher que não fez nada para aquele homem, a não ser dar bom dia ao entrar no vagão. Não estou mais te reconhecendo, José. Você não é o homem com quem me casei, que fez os votos na igreja comigo. Acho que você não os entendeu. Então vou repetir: *Prometo amar-te e respeitar-te na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da minha vida, até que a morte nos separe.* Respeito, José. Eu vou trabalhar. Enquanto isso, você decide onde vai dormir hoje à noite.”

A surpresa estampou no rosto de José. Ele engoliu seco, desviou, mais uma vez, os olhos, batendo as mãos inquietas sobre a mesa. Rute virou-se e saiu. Quem era aquela mulher? Gostou de não saber, ainda. Gostou mais ainda do silêncio atônito que deixou para trás.

O caso estava no jornal da TV. Ao chegar no trabalho, o ar mudara. Maria veio correndo, envolveu-a num abraço forte, quente. “Estou contigo, Rute. Pode contar comigo.” Outras colegas se aproximaram, abraçaram-na, murmuraram palavras de apoio. Algumas ficaram distantes, nos cantos, como ela mesma ficara tantas vezes. “Devem estar pensando que mereci”, passou-lhe pela cabeça, mas a dor era menor agora.

Na sua mesa, uma única rosa num copo de água. Um bilhete do chefe: “Bom dia, Rute. Já sabemos. Se quiser conversar, minha porta está aberta. Mas não precisa se explicar. Fique bem.”

O abatimento ainda a tocava, mas agora era contrabalançado por uma onda de alívio. Encontrara no trabalho o apoio que José lhe negara. O abraço que precisava, o afago para a alma machucada.

Na hora do almoço, procurou Maria. “Maria…”, começou, a voz um pouco hesitante, mas os olhos firmes. “Quando tiver a próxima reunião do seu grupo… Eu gostaria de ir. Se puder. E… por enquanto, você pode me explicar o que é esse feminismo que você tanto fala?”

Maria sorriu. Um sorriso triste, compreensivo, cheio de uma luz nova. Apertou a mão de Rute. “Claro que sim, amiga. Claro que sim.”

Dentro de Rute, algo novo nascia, frágil e forte ao mesmo tempo. Não sabia ainda quem era essa mulher que emergia das cinzas. Reconhecia-se cheia de preconceitos que agora lhe pareciam grotescos. O rapaz que julgara pelo visual fora seu anjo da guarda. A colega que desdenhara era seu porto seguro. O chefe que temera era um aliado. E o marido que idolatrara… José ainda era uma interrogação dolorosa.

Seus preceitos mais arraigados ruíam. Junto com eles, caíam os muros altos dos seus preconceitos. Rute começava a desvendar um mundo e uma vida até então desconhecidos. O trabalho seria longo: varrer as velhas ruínas e, tijolo a tijolo, palavra a palavra, reconstruir-se.

Conto de Adrianafetter

Uma visão sobre as mulheres, por Glorinha Kalil

Assisti pela televisão uma entrevista, com a Glorinha Kalil, sobre as mulheres.

Tanto ela como a Constanza Pascolato sempre me deram uma impressão ótima, de mulheres a frente do seu tempo, elas permeiam por outros assuntos com uma dignidade incrível, vencedoras.

O que me chamou mais atenção é que ambas falam de camadas, que as pessoas são feitas de camadas, somos sedimentados com as nossas camadas pela idade, vivência valores e pelos nossos costumes.

A Glorinha falou muito na questão da discriminação, do que pode ofender uma pessoa, de acordo com a faixa etária e tipo de educação recebida, do que é ou não assédio.

Incrível perceber as nuances que permeiam pelas varias idades. O que pode ser falta de atenção e educação, como o uso de celular com os mais velhos, é absolutamente natural entre os jovens.

Já um assovio, que tantas mulheres ouvem, ou já ouviram é muito menos aceito pelas mulheres mais jovens.

O fato é que as mulheres estão mais organizadas, entendidas de seus direitos e denunciam, agora, o que antes era considerado uma vergonha.

Minhas breves palavras não conseguem expressar toda a profundidade e versatilidade da entrevista da Glorinha, uma feminista, como ela mesma se intitula e eu também.