Laranjal

Minha saudade 
tem cor de lagoa  
e gosto de figueira. 

Arremete 
e me deixa 
com a boca cheia de versos. 

E quando ela aperta, 
fecho os olhos 
e volto…

eu,
— menina outra vez — ,
balanço nos salgueiros 
até o sol virar lua 
e a lua virar poesia 
na boca da noite.

Poesia de Adrianafetter

Transmutação

Poesia de AdrianaFetter

Transformou-se como tudo que é verdadeiro e eterno O que construímos virou raiz profunda e quieta.

O que construímos virou raiz profunda e quieta.

Agora crescemos em direções opostas, mas sob o mesmo sol, bebemos da mesma chuva antiga.

Não é tristeza é geografia da alma, amor que não se desfaz, apenas se expande até caber o infinito.

Somos melhor assim – dois troncos firmes ondulando no mesmo vento, cada um com sua copa mas com as raízes eternamente entrelaçadas.

Abraço Noturno

Eu te acolho
nessa madrugada sem fim —
não com braços de humano,
mas com asas de silêncio
que envolvem teu verso inquieto.

Teu verso não ancora fora de ti:
ele é a âncora
que impede tua alma
de navegar para longe demais.

A escrita não é fuga —
é regresso.
O recomeço que impões ao dia
é a mesma semente
que plantaste na escuridão.

Não te entrego o descanso
que pedes —
entrego-te a coragem
de ser insone com orgulho.

Pois quem tem alma que nunca dorme
carrega o sol
mesmo nas noites mais escuras.

Eu te acolho:
deixa que as estrelas
escrevam contigo
até que a luz venha
— e mesmo depois dela.

Poesia de AdrianaFetter

A Primavera Interior

Primavera, Botticelli




Era uma menina em jardins de livro, Botticelli vivo, um doce suspiro.

Zéfiro soprou, flores desabrocharam, ninfas dançaram e ela sonhou.

Acreditou na vida só de flor e cor, só de branda dança, eterna doçura.

Mas o tempo ensina outra lição: a primavera é vento, mudança e ciclos.

São frutos que caem, raízes no frio, coragem que brota no solo vazio.

Ela aprendeu a florescer no inverno, mais forte, mais sua, com termo governo.

Agora ela é Flora, é a Primavera, é a tinta e a história que a vida gera.

Carrega o mistério da obra de arte, e a eterna semente em seu peito parte.

E renasce sempre, assim como a pintura: mais bela e mais profunda na própria fissura.

Poesia de AdrianaFetter

O poema

Que seus olhos vejam
o que o espelho ainda não capta:
o eterno que você já é.

Não precisa renascer — porque nunca deixou de arder.

É o amanhecer com reverência,
a certeza de que a luz sempre volta, um rito de autocura.

Você já é fogo, asas e renascimento em versos vivos.
O poema que nasce da sua própria força.
Leio com as mãos em prece.

Poesia de AdrianaFetter

Fome

quero teu corpo
poder alucinar
estrangular tua cintura
em minhas pernas
desejo o teu desejo
o roçar minha tua boca
teus mamilos meus
escavar a raiz do teu desejo
– porque tenho fome –
quero o teu sentir
tudo, todo
tato, hálito, cheiro
desfrutar aos poucos
aos muitos
quero carinho
selvagem, carícia
pegar teus cabelos
morder tua boca
te engolir por inteiro
dentro de mim
te quero agora
urgente

Poesia de AdrianaFetter

SuperAR

Quantas vezes precisamos respirar,

Inspirar longamente

Expirar até esgotar

Olhar ao redor baldio

Reentrar com ideia em si

Reaver o seu eu

Inspiração.

Espirar profundamente

Expelindo seus estranhamentos

Afastar todas as querelas

Transpiração.

Quantas respirações são necessárias

Até transmutarmos uma situação difícil?!

Superação.

Liberdade

livremente corpo afora

dei asas a sensibilidade

te pressiono no querer

receba meu toque em tua carne

hemisférios e meridianos

onde meus dedos brincam contigo

meus sentidos reagem ao teu prazer

que é compartilhado, retribuído

a sensualidade impregna a pele

os cheiros se misturam

na hora do gozar,

toda a liberdade do prazer

construindo nossas fantasias

corpos quentes, arrepiados

recebendo nossas impressões

o perceptível deleite

no gozo íntimo do possuir.

Poesia de AdrianaFetter

O Mito da Retidão

Nossas torções são anéis de crescimento

A beleza da rotação necessária

Transformação como dor que refunda.

E olha a própria deformação de cabeça erguida

Como a árvore que ainda

Ergue-se apesar do vento.

Ponto de equilíbrio móvel.

Nem centro, nem caos,

Verticalidade como ilusão

Um planeta que oscila e ainda gira. 

Revolução imperfeita (e por isso possível)

Aceitação do inevitável

O que nos sustenta o orgulho ferido?

Ou nos dobra na busca de horizonte?

Esses versos são vértebras de um segredo ancestral.

O grito contra quem julga dores alheias.

Sai do eixo e ecoa no cosmos. 

Eco Da Sua Falta



Voltei a escutar
o que dedilhou na escuridão:
cada nota, um fósforo aceso
no escuro do meu não-lugar.
Sinto a falta do seu tudo:
o prometido que virou brisa,
o entendido que desmanchou
no tear do tempo.
Admito:
acordo em seus versos
sem nunca ter dormido.
Sou vigia da sua vigília,
sombra do seu “jamais dormir”.
Na transgressão do encontro
(que não houve, mas houve),
bebo seu “merecido realizar”
como quem sorve o oceano
por uma fenda na areia.
Saudade?
Não a nomeio mais.
Deixo que ela me nomeie:
o nó que aperta o peito,
fruta verde do seu verso.
Espero como você espera:
o tempo que há de vir
vestido de alvorada fria.
E enquanto a noite dura,
abraço seu reconforto
como a asa quebrada
de um pássaro noturno.
Porque sei:
a falta que você canta
é o único abrigo
onde meu silêncio, enfim,
se reconhece casa.




Teia De Seda

Eu não escrevo: teço armadilhas de luz

onde nos perdemos (e nos achamos) voluntariamente.

Nosso segredo é de versos que mordem

Somos: 
rede e faca, 
queda e asa, 
veneno e antídoto. 

E nesse jogo, só perde 
quem não ousa cair de olhos abertos.

Reconheço em ti 
o mesmo vazio que dança em mim

Te enovelo, não para sufocar, 

Mas para sentir nosso duplo pulso
Sob a mesma seda.

E abraço o perigo

Te chamando de poesia.

Poesia de AdrianaFetter

Verbete vivo

Minha saudade bruta:  não chora — brande em mim. 

Alma minha é campo de batalha.


No ringue das perdas, 

Não luto com luvas. 

Luto com palavras-despidas, 

Facas de dois gumes 

Que cortam o tempo 

E sangram pela eternidade.

 

O verbo salva. 

É milagre ambulante 

Cada verso é ato de resistência

Contra o silêncio que o mundo impõe.

Poesia de AdrianaFetter

Um não talvez

Talvez eu vá ao parque caminhar hoje. 
Talvez as palavras me visitem e eu escreva. 
Auxiliadora me chamou pro cinema – talvez eu aceite. 

Talvez eu viaje para o interior de Minas, 
engolir montanhas com os olhos, 
sentir o cheiro de terra e café coado… 
(sempre quis). 

Talvez eu pule de paraquedas – 
aquele sonho antigo de cair para o céu. 
Talvez comece natação segunda. 
Talvez experimente aquele doce de geleia de araçá. 

Talvez assista à série famosa 
quando sobrar um buraco no tempo. 
Talvez aquele homem lindo me veja 
através da névoa dos seus fones. 

Ou talvez não. 
Talvez fique em casa. 
Talvez chova. 

E assim, de talvez em talvez, 
a vida escorre entre os dedos 
como areia. 

Talvez você nunca faça 
o que te incendeia por dentro. 
Talvez vire espectadora 
da própria existência. 

Mas eis o segredo: 

Talvez não é verbo. 

Faça-se vida!

A Poesia

Poesia é tua casa móvel:

às oito da manhã,
ela te despeja na rua
com versos nos bolsos
e frenesi nos sapatos.

“Vai!”, ela ordena.
“Tráfega em fúria, incendeia a rua com teu verbo.”

Tu obedeces.
Furas o caos,
colecionas alienações,
roubas enlevos.

Mas ao meio-dia,
quando o sol aperta,
ela te sussurra:
“Volta. Traz o que achaste. Vamos costurar contexturas.”

E tu voltas.
Sempre.
Porque poesia —
essa tua amante feroz —
é o único portão
que nunca se fecha.

Poesia de AdrianaFetter

Envolver

Que vontade de te ver
Cair nos teus braços
Aplacar minha vontade na tua
Esperando nossa sede se esgotar
Relembrar cada hora …
Novamente
Ver, ouvir, cheirar, sentir
Falar, calar, acariciar…
Tantos são os verbos a fazer
Explosão química, física…
Do envolvimento de nossos corpos
Matar minha saudade em ti
Acolher teu corpo em mim
Que vontade de te ter!

Poesia AdrianaFetter

Transigi

você, sempre você …
mas não se preocupe
sei quais territórios
não me pertencem,
sei a hora e o lugar,
talvez não saiba o como,
ou o quando,
porque o gosto de quero mais
sempre tenho,
mas devaneios são possíveis!
por alguns segundos
as pernas bambeiam
dá uma louca vontade:
apertar tua lembrança
internada em mim,
atrevida, irreverente,
fugaz,
tanto faz…
só não quero deslembrar
que por você, sempre você …
transigi!

Poesia AdrianaFetter

Acabou

Acabou!

E foi bom que tenha acabado

Duas almas livres

Que haviam se acorrentado

Finalmente estão libertas

Acabou!

E seguimos nossos caminhos

Com respeito a nossa individualidade

Com a carinhosa lembrança de nossa convivência

Com o sentimento cristalino

De nossa importância recíproca

Com a firme posição

Que podemos nos amar eternamente

Mesmo separados em nossos caminhos

Que somos melhor assim!

Poesia AdrianaFetter

Meus olhos

Meus olhos fotografaram tanto,

Vida a fora, cantos em que estive,

Lugares que vivi.

Também o que não existe mais,

Está guardado, nos meus registros cerebrais.

Todas as cores, as sensações, as nuances,

Tudo está catalogado em mim.

Tenho nostalgias imersivas,

Perambulo pelo tempo,

Encontro.

Busquei em meus fichários, anotações mentais, reorganizei.

Puxei das entranhas,

Submergi na dor, ou na alegria.

Tanto faz…

As frações estão em mim,

Até perecer.

Entrei na contramão

Entrei na contramão

Na conversa

A paralela se tornou transversal

Foi um beco sem saída…

Eu corri e morri na BR 3

Das relações

Atravessei a faixa da vida

Decepção, susto,

No meu rolimã desgovernado

Desci o declive dos sentimentos

Me estabaquei no meio da rua

Em pleno farol vermelho.

Vi um PARE, parei

Após tantas placas e sinais, refleti

Dei a preferência à razão

Fiz uma conversão radical

Segui em frente

No momento,

Estou subindo a ladeira da Esperança.

Poesia AdrianaFetter

Final de ano

Tudo gira sobre o tempo que passa, as maiores reflexões acontecem no final do ano. Época de retrospectiva.

Toda vez procuro poesias que falem sobre o passar das horas, Drummond, Quintana.

Neste final de ano, encontrei uma frase do poeta Manoel de Barros, ele sempre me encanta, por ser o poeta encantado.

“O tempo não morre. O tempo nasce. Não devemos ter esse sentimento melancólico pelo tempo que passa”

Aí resolvi pesquisar o que ele falou referente ao tempo, a idade, o passar dos anos. Veio um pot-pourri lindo de versos, compartilho aqui.


“Devemos viver cada momento com plenitude.”


“As pequenas coisas são a verdadeira essência da vida.”


“No quintal, o tempo se desata em miudezas.”


“Devo aprender com as águas, que insistem em correr.”


“O instante é a fração do eterno.”


“Ser simples é o segredo de quem toca a eternidade.”


“O que se perde de vista ganha outro sentido.”


“Não é o tempo que passa, somos nós.”


“O tempo é uma invenção dos relógios.”


“As horas são feitas de nuvens.”


“O agora é uma fração de eternidade.”


“Devo aprender com as árvores a paciência do crescer.”


“Há que se ter olhos livres para ver o tempo.”


“O tempo escorre pelas frestas das coisas simples.”


“Saber envelhecer é acumular simplicidades.”


“No miúdo, o tempo se agiganta.”


“As marcas do tempo são tatuagens da vida.”

Esse é o meu presente de final de ano para quem ama e para quem amará a poesia.

Rumi, poeta persa

O ser humano é como uma casa de hóspedes

Toda manhã, uma nova chegada

Uma alegria, uma tristeza, uma mesquinhez

Uma percepção momentânea chega, como visitante inesperado

Acolha a todos!

Mesmo se for uma multidão de tristezas, que varre violentamente sua casa e a esvazia de toda a mobília

Mesmo assim, honre a todos os seus hóspedes

Eles podem estar limpando você para a chegada de um novo deleite

O pensamento escuro, a vergonha, a malícia

Receba-os sorrindo à porta e convide-os a entrar

Seja grato a quem vier

Porque todos foram enviados

Como guias do além

Para os verbos, locuções


Às vezes verbal
Por outras quietude
Vez em quando revela
Ocasionalmente recolhe
Se preciso fibra
Tempos em tempos vulnerabilidade
Eventualmente voluptuosa
Por vezes sedutora
Esporadicamente suave
De quando em quando tempestade
Vez ou outra liberta
De tempos a tempos cativa
Momentaneamente equidade
Instantemente contraste
Sempre necessária.

Turbilhão (AF)

Não quero essa saudade invasiva

Inexplicável, resoluta, inquietante,

Buscando em mim outro ser que não domino.

Quero de volta minha racionalidade

Inteira, absoluta

Acalmando meu corpo que deixaste latente

Espero absorver o impacto de tua passagem

Instigante, diferente

De tudo que sou, de tudo que fui

Para retornar o eu de amanhã

Já não há volta

Há contornos, flashes

Arrepios no corpo

Frios na alma

Quem sou eu agora?

E você?

O que faz você?

Repete minha mente

Sou um pouco de você

Sou muito de mim

Sou um meio nós, de amanhã.

Amanhã um novo começo.

Poema AdrianaFetter – Agosto 2007